Sociedade
21 abril 2018 às 17h59

Um campeão que não precisa da mão para nadar

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O nadador português acumula medalhas em quase todos os campeonatos por onde passa. A última foi a prata nos campeonatos do mundo em México e está já em preparações para os jogos paralímpicos de 2020.

Redação

David Grachat sai do balneário equipado. Faz o aquecimento, coloca a touca e óculos e atira-se para a piscina. A rotina repete-se todos os dias e todos os minutos contam num dia-a-dia passado na água.

A última medalha, a prata conquistada nos Mundiais de natação adaptada no ano passado, foi conseguida à custa de muito trabalho e incertezas. A prova foi suspensa devido ao terramoto que atingiu a Cidade do México em setembro do ano passado. "Foi ali um turbilhão de emoções porque pensávamos que [tinha sido] um ano perdido. Passados uns tempos recebemos a notícia que o campeonato do mundo ia ser em dezembro. Lá voltamos nós para a piscina. Tivemos que voltar a treinar tudo outra vez, fazer ali uns malabarismos para ver se conseguíamos pôr um pico de forma na altura do campeonato do mundo e assim foi. Fui vice-campeão mundial e foi o lugar mais alto do pódio que eu já subi. Foi espetacular", contou.

Antes desta medalha, David Grachat vinha já construindo uma carreira de alto nível. Conseguiu o bronze no Campeonato do Mundo de Glasgow em 2015, participou nos Jogos Paralímpicos de Pequim, Londres e Rio e conquistou muitos pódios na Europa. Mas nem sempre a natação adaptada foi a prioridade do atleta.

Carlos Mota, treinador de David há quase 20 anos, lembra que foi um castigo que aproximou o nadador da modalidade. "Esta felicidade de eu ter o David como meu atleta e um dos melhores atletas nacionais vem do facto de ele, em determinado momento da sua vida escolar, a coisa correu mal e, por castigo, os pais retiram-no do futebol e ele ficou apenas confinado à natação".

David estava no sétimo ano, gostava de dar uns mergulhos mas nunca pensou que pudesse tornar-se no vice-campeão do mundo em natação adaptada. O amor pela modalidade foi crescendo e o futebol ficou para trás. "Uns anos mais tarde voltei para o futebol. Mas não tinha grande jeito para aquilo. Nem todos nós nascemos com os pés como os do Cristiano Ronaldo".

O clique final aconteceu em 2004, quando David ficou à porta dos jogos paralímpicos de Atenas por duas semanas. "Fiz os [tempos] mínimos mas já tinham passado duas semanas do prazo de encerramento para fazer os mínimos. Fiquei fora dos jogos. Aí fiquei arrasado porque tinha aquela esperança de poder ir aos jogos mas só me culpo a mim porque não trabalhei o suficiente. Antes de fazer os mínimos não acreditava muito que fosse, não trabalhei o suficiente e fiquei fora dos jogos. Isso aí fez-se o clique e, a partir daí, nunca mais deixei de ir a uma seleção".

Nunca mais ficou de fora e agora está de olhos postos nos Jogos Paralímpicos de 2020. "Eu vou continuar até Tóquio 2020, que é o grande objetivo. Se eu vir que não consigo aguentar os miúdos mais novos que estão a aparecer aí - e aparecem com muita força - vou repensar e ver o que podemos fazer. Mas tudo indica que até 2020 é garantido, vou estar na luta".

Então não conhece o Shéu que só tinha dois dedos?

David Grachat nasceu com uma malformação na mão esquerda. Nada desde os dois anos por recomendação do médico. "Além de ter nascido com uma malformação congénita da mão esquerda - nasci sem mão - também há, do lado esquerdo do tronco, um pequeno retrocesso associado a tudo isso, não há um desenvolvimento tão grande como do lado direito. A natação veio fazer com que esse desnível fosse mínimo e eu consigo ter o tronco quase igual de um lado e de outro".

O atleta admite que crescer com uma deficiência não foi fácil mas tudo ficou mais simples devido à atitude positiva da família. "[Quando nasci] A médica veio toda assustada ter com o meu pai e disse: olhe, temos um problema. Quando ela disse que o problema era eu não ter mão, o meu pais disse: então isso é um problema? Então não conhece o Shéu [Han], jogador do Benfica que só tinha dois dedos? Não foi um grande homem? Não foi um jogador de futebol, não subiu na vida. Isso não é problema algum".

David Grachat sempre se recusou a ser encarado como "um coitadinho" e sempre quis demonstrar que é igual aos outros. Carlos Mota, responsável pela equipa de natação adaptada das GesLoures há 18 anos, explica que os atletas que treina "querem provar a quem nos rodeia, à sociedade civil em geral, aos outros atletas ditos normais, que são tão bons quanto os outros".

O sacrifício e ambição de David Grachat foram compensados com medalhas mas também com uma bolsa de Educação dos Jogos Santa Casa atribuídas a atletas dos Programas Paralímpicos. O atleta garante que o apoio da instituição foi fundamental para terminar o curso de Educação Física e Desporto. "Foi uma ajuda tremenda. O desporto requer muita concentração. Isto foi um boost daqueles espetaculares para que as pessoas começassem a não deixar nem o desporto para trás, nem a profissão, nem a escola, nem os estudos para trás. Porque havia sempre tendência a deixar qualquer coisa para trás e, muitas vezes, acabava por ser o desporto".